QUARTA - FEIRA - 16 /09
Texto Bíblico - Jr 15. 16: Assim que eu achei as tuas palavras, logo as comi, e a tua palavra foi para mim o gozo e alegria do meu coração
POEMA:
Salmos 19. 7 – 10
A lei
do Senhor é perfeita, e refrigera a alma; o testemunho do Senhor é fiel, e dá
sabedoria aos símplices.
Os
preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; o mandamento do Senhor é
puro, e ilumina os olhos.
O
temor do Senhor é limpo, e permanece eternamente; os juízos do Senhor são
verdadeiros e justos juntamente.
Mais desejáveis são do que o ouro, sim, do que muito ouro fino; e mais doces do que o mel e o licor dos favos.
LITERATURA
LEONARDO BOFF :
Os
salmos constituem uma das formas mais
altas de oração que a humanidade produziu. Milhões e milhões de pessoas,
judeus, cristãos e religiosos de todas as tradições, dia a dia, recitam e
cantam salmos, especialmente os religiosos e religiosas e os padres no assim
chamado “ofício das horas”diário.
Não
sabemos exatamente quem seus autores, pois eles recolhem as orações que
circulavam no meio do povo. Seguramente
muitos são de Davi (século X a.C). É considerado, por excelência, o protótipo
do salmista. Foi pastor, guerreiro, profeta, poeta, músico, rei e profundamente
religioso. Conquistou o Monte Sion dentro de Jerusalém e lá, ao redor da Arca
da Aliança, organizou o culto e introduziu os salmos.
Quando
se diz “salmo de Davi” na maioria das vezes significa: “salmo feito no estilo
de Davi”. Os salmos surgiram no arco de quase mil anos, nos lugares de culto e
recitados pelo povo até serem recopilados na época dos Macabeus no século
II.a.C. O saltério é um microcosmo histórico, semelhante a uma catedral da
Idade Média, construída durante séculos, por gerações e gerações, por milhares
de mãos e incorporando as mudanças de estilo arquitetônico das várias épocas.
Assim há salmos que revelam diferentes concepções de Deus, próprias de certa
época, como aqueles, estranhas para nós, que expressam o desejo de vingança e o
juízo implacável de Deus.
Os
salmos testemunham a profunda convicção de que Deus, não obstante habitar numa
luz inacessível, está em nosso meio, morando como que numa tenda (shekinah).
Podemos chegar a Ele, em súplicas, lamentações, louvores e ações de graças. Ele
está sempre pronto para escutar.
O
lugar denso de sua presença é o Templo onde se cantam os salmos. Mas como
Criador do céu e da terra, está igualmente em todos os lugares, embora nenhum
possa contê-lo.
Com
razão, se orgulhavam os hebreus dizendo: “ninguém tem um Deus tão próximo como
nós”! Próximo de cada um e no meio de seu povo. Os salmos revelam a consciência
da proximidade divina e do amparo consolador. Por isso há neles intimidade
pessoal sem cair no intimismo individualista. Há oração coletiva sem destituir
a experiência pessoal. Uma dimensão reforça a outra, pois cada uma é
verdadeira: não há pessoas sem o povo no qual estão inseridas e não há povo sem
pessoas livres que o formam.
Ao ler
(orar) os salmos, encontramos neles a nossa radiografia espiritual, pessoal e
coletiva. Neles identificamos nossos estados de ânimo: desespero e alegria, medo e confiança, luto e
dança, vontade de vingança e desejo de
perdão, interioridade e fascinação pela grandeza do céu estrelado. Bem o
expressou o reformador João Calvino (1509-1564) no prefácio de seu grandioso
comentário aos salmos: “Costumo definir este livro como uma anatomia de todas
as partes da alma, porque não há sentimento no ser humano que não esteja aí
representado como num espelho. Diria que o Espírito Santo colocou ali, ao vivo,
todas as dores, todas as tristezas, todos os temores, todas as dúvidas, todas
as esperanças, todas as preocupações, todas as perplexidades até as emoções
mais confusas que agitam habitualmente o espírito humano”.
Pelo
fato de revelarem nossa autobiografia espiritual, os salmos representam a
palavra do ser humano a Deus e, ao mesmo
tempo, a palavra de Deus ao ser humano. O saltério serviu sempre como livro de consolação e fonte secreta de
sentido, especialmente quando irrompe na humanidade o desamparo, a perseguição,
a injustiça e a ameaça de morte. O filósofo francês Henri Bergson (1859-1941)
deu este insuspeitado testemunho:”Das centenas de livros que li nenhum me
trouxe tanta luz e conforto quanto estes poucos versos do salmo 23: O Senhor é
meu pastor e nada me falta; ainda que ande por um vale tenebroso, não temo mal
nenhum, porque Tu estás comigo”.
Um
judeu, por exemplo, cercado de filhos, era empurrado, para as câmaras de gás em
Auschwitz. Ele sabia que caminhava para o extermínio. Mesmo assim, ia recitando
alto o salmo 23: “O Senhor é meu pastor…Ainda que eu ande pela sombra do vale da morte, nenhum mal temerei, porque Tu
estás comigo”. A morte não rompe a comunhão com Deus. É passagem, mesmo
dolorosa, para o grande abraço infinito da paz eterna.
Por
fim, os salmos são poesias religiosas e místicas da mais alta expressão. Como
toda poesia, recriam a realidade com metáforas e imagens tiradas do imaginário.
Este obedece a uma lógica própria, diferente daquela da racionalidade. Pelo
imaginário, transfiguramos situações e fatos detectando neles sentidos ocultos
e mensagens divinas. Por isso dizemos que não só habitamos prosaicamente o
mundo, colhendo o sentido manifesto do desenrolar rotineiro dos acontecimentos.
Habitamos também poeticamene o mundo, vendo o outro lado das coisas e um outro
mundo dentro do mundo de beleza e de
encantamento.
Os
salmos nos ensinam a habitar poeticamente a realidade. Então ela se transmuta
num grande sacramento de Deus, cheia de sabedoria, de admoestações e de lições
que tornam mais seguro nosso peregrinar rumo à Fonte. Como bem diz o salmista:
“quando caminho entre perigos, tu me conservas a vida…e estás até o fim a meu favor” (Salmo 138, 7-8).
(extraído do site do autor - https://leonardoboff.org/2014/02/03/os-salmos-a-anatomia-da-alma-humana/)
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